Nobel da Fome
quinta-feira, 11 de julho de 2013
Greenwashing é isso aí: Monsanto e Syngenta recebem o Nobel da Agricultura.
"A
sociedade compõe-se de duas grandes castas: a dos que têm mais comida do que
apetite e a dos que têm mais apetite do que comida." , Nicolas
Chamfort
Quando se
premia aos que geram fome
Vivemos em um mundo ao contrário, no qual se premia
as multinacionais da agricultura transgênica enquanto acabam com a agricultura e
a agrodiversidade. O Prêmio Mundial da Alimentação 2013, o que alguns chamam
de Nobel da Agricultura, foi concedido este ano para os representantes da
indústria transgênica: Robert Fraley, da Monsanto e Mary-Dell Chilton, da
Syngenta. O terceiro premiado foi Marc Van Montagu, da Universidade de Gante
(Bélgica). Todos eles distinguidos por suas investigações a favor de uma
agricultura biotecnológica.
E me pergunto: Como pode ser que se conceda um
prêmio que, teoricamente, reconhece "as pessoas que têm feito avançar (...) a
qualidade, a quantidade e o acesso aos alimentos” aos que promovem um modelo
agrícola que gera fome, pobreza e desigualdade. Os mesmos argumentos,
imagino, que levam a conceder o Prêmio Nobel da Paz aos que fomentam a guerra. Como diz o escrito Eduardo Galeano, em seu livro "Patas arriba” (1998), "se premia ao contrário: se despreza a honestidade, se castiga o trabalho, se recompensa a falta de escrúpulos e se alimenta o canibalismo”.
imagino, que levam a conceder o Prêmio Nobel da Paz aos que fomentam a guerra. Como diz o escrito Eduardo Galeano, em seu livro "Patas arriba” (1998), "se premia ao contrário: se despreza a honestidade, se castiga o trabalho, se recompensa a falta de escrúpulos e se alimenta o canibalismo”.
Querem que acreditemos que as políticas que nos
conduziram à presente situação de crise alimentar serão as soluções; porém, isso
é mentira. A realidade, teimosa, nos demonstra, apesar dos discursos oficiais,
que o atual modelo de agricultura e alimentação é incapaz de dar de comer às
pessoas, cuidar de nossas terras e daqueles que trabalham no campo. Hoje, apesar
de que, segundo dados do Instituto Grain, a produção de alimentos multiplicou-se
por três desde os anos 60, enquanto que a população mundial desde então apenas
duplicou, 870 milhões de pessoas no mundo passam fome. Fome, pois, em um planeta
da abundância de comida.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura (FAO) reconhece que nos últimos cem anos desapareceram 75% das
variedades agrícolas. Nossa segurança alimentar não está garantida, se depender
de um leque cada vez mais reduzido de espécies animais e vegetais.
Definitivamente, são promovidas as variedades que mais se adequam aos padrões da
agroindústria (que podem viajar milhares de quilômetros antes de chegar ao nosso
prato, que tenham um bom aspecto nas prateleiras do supermercado etc.), deixando
de lado outros critérios como a qualidade e a diversidade do que
comemos.
Nos dizem que temos que produzir mais alimentos
para acabar com a fome no mundo e, em consequência, que é necessária uma
agricultura transgênica. Porém, hoje, não falta comida;
sobra! Não temos um problema de produção, mas de acesso. E
a agricultura transgênica não democratiza o sistema
alimentar; ao contrário, privatiza as sementes, promove a dependência camponesa,
contamina a agricultura convencional e ecológica e impõe seus interesses
particulares ao princípio de precaução que deveria prevalecer.
Marie Monique Robin, autora do livro e do
documentário "O mundo segundo a Monsanto” (2008), deixa claro: essas empresas
querem "controlar a cadeia alimentar” e "os transgênicos são um meio para
conseguir esse objetivo”. Prêmios como os concedidos a Monsanto e a Syngenta são
uma farsa ante a qual somente há uma resposta possível: a denúncia. E ressaltar
que outra agricultura somente será possível à margem dos interesses dessas
multinacionais.
A Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação, FAO, afirmou que a agricultura é
fundamental para a humanidade.
Segundo o
vice-diretor-geral da FAO, Dan Gustafson, a adaptação do setor agrícola, não é
somente uma opção, mas sim, imperativo para a sobrevivência humana.
A FAO explica que 80% da
dieta do ser humano é composta por plantas. Aproximadamente 30 tipos de
colheitas correspondem a 95% das necessidades de alimentos das
pessoas.
Os especialistas dizem
que dessas 30 colheitas, cinco, arroz, trigo, milho, painço, que é uma derivado
do milho, e o sorgo, tipo de cereal usado para fazer a farinha, fornecem 60% dos
alimentos.
A má nutrição custa ao mundo cerca
de US$ 500 (aproximadamente R$ 1 mil) por indivíduo ou US$ 3,5 trilhões (R$ 7
trilhões) por ano, valor equivalente ao PIB da Alemanha, a maior economia da
Europa, de acordo com cálculo publicado em um novo relatório FAO - O Estado da
Alimentação e da Agricultura 2013. O montante também equivale a 5% do
PIB mundial e foi calculado com base nos custos relativos à perda de
produtividade e gastos com a saúde gerados por uma dieta deficiente.
Os dados constam de relatório publicado ontem (04/06/13) pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). No documento, o diretor do órgão, o brasileiro José Graziano, pediu esforços mais consistentes para erradicar a má nutrição.
O estudo assinala que a alimentação precária das mães e das crianças continua a reduzir a qualidade e a expectativa de vida de milhares de pessoas, assim como problemas relacionados à obesidade, como doenças cardíacas e diabetes.
"Atores e instituições devem trabalhar conjuntamente em todos os setores para reduzir mais efetivamente a desnutrição, a deficiência nutricional, o sobrepeso e a obesidade", diz o relatório.
O órgão alerta ainda que, embora cerca de 870 milhões de habitantes do planeta ainda passem fome, segundo dados do biênio 2010-2012, outros bilhões sofrem com a má ingestão de alimentos.
A FAO estima que 2 bilhões de pessoas têm deficiências de um ou mais micronutriente, enquanto outras 1,4 bilhão estão com sobrepeso, das quais 500 milhões já são obesas.
Além disso, 25% de todas as crianças abaixo de cinco anos sofrem com baixa estatura e outras 31% possuem deficiência de vitamina A.
“Comer insetos” para
reforçar a segurança alimentar: esta é a orientação da FAO, que lançou nesta
segunda-feira (13) um programa para incentivar a criação em larga escala de
insetos, alimento rico em nutrientes, de baixo custo, ecológico e
“delicioso”.
Dois bilhões de pessoas
em culturas tradicionais já os consomem, mas o potencial de consumo é muito
maior, considera a Agência da Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação.
“Nossa mensagem é: comer
insetos, os insetos são abundantes, eles são uma rica fonte de proteínas e
minerais”, declarou Eva Ursula Müller, diretora do Departamento de Política
Econômica Florestal na apresentação deste relatório em Roma.
Os trilhões de insetos,
que se reproduzem sem parar na terra, no ar e na água, “apresentam maiores taxas
de crescimento e conversão alimentar alta e um baixo impacto sobre o meio
ambiente durante todo o seu ciclo de vida”, defendem os
especialistas.
De acordo com seus
cálculos, cerca de 900 espécies de insetos são comestíveis. A FAO enumera os
benefícios da produção de insetos em larga escala: são necessários 2 kg de ração
para produzir 1 kg de insetos, enquanto o gado requer 8 kg de alimento para
produzir 1 kg de carne. Além disso, os insetos “são nutritivos, com um elevado
teor de proteínas, gorduras e minerais” e “podem ser consumidos inteiros ou em
pó e incorporados noutros alimentos”.
A criação de insetos é
simples, pois pode ser feita a partir de resíduos orgânicos, tais como restos de
alimentos, e também a partir de compostos e estrume. Os insetos são extremamente
ecológicos: usam muito menos água e produzem menos gases do efeito estufa do que
o gado.
O consumo de insetos,
chamado de entomofagia, já é difundido e praticado há muito tempo entre culturas
tradicionais em regiões da África, Ásia e América Latina. “Um terço da população
mundial come insetos, e isso é porque eles são deliciosos e nutritivos”,
ressalta Eva Ursula Müller.
“Insetos são vendidos
nos mercados de Kinshasa, nos da Tailândia ou em Chiapas, no México, e eles
começam a aparecer nos menus de restaurantes na Europa”, argumentou. Alguns
criadores de vários continentes entenderam as vantagens e começam a tirar
proveito: eles começaram a usar os insetos como ingredientes alimentares,
incluindo na aquicultura e na criação de aves.
De acordo com Müller, os
insetos oferecem muito mais do que apenas nutrição. Eles também são usados para
dar cor e formam uma das bases da medicina tradicional em muitos países. Para
garantir a nutrição dos animais, os insetos são suscetíveis de proporcionar um
complemento a outros recursos utilizados como soja e farinha de
peixe.
Gabril Tchango, ministro
das Florestas do Gabão, elogiou o consumo de insetos que “faz parte da vida
cotidiana”. Os “cupins grelhados são considerados uma iguaria em nossas
florestas”, declarou, considerando que os insetos, em todas as categorias,
contribuem com cerca de 10% da proteína animal consumida no Gabão.
De acordo com a FAO,
“até 2030, mais de 9 bilhões de pessoas vão precisar ser alimentadas, assim como
os bilhões de animais criados a cada ano” para atender diversas necessidades,
num momento em que “a poluição do solo e da água devido a produção intensiva de
animais de pastoreio levam a degradação das florestas”.
Outro argumento a favor
da criação de insetos é que eles “podem ser colhidos em seu estado natural,
cultivados, processados e vendidos pelos mais pobres da sociedade, como as
mulheres e agricultores sem-terra. Os insetos podem ser coletados diretamente e
facilmente em seu estado natural. Os gastos ou investimentos necessários para a
colheita são mínimos”.
A Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura e a organização internacional ‘Slow Food’ firmaram um acordo em 15 de maio para desenvolver ações
conjuntas para melhorar os meios de subsistência de pequenos agricultores que
vivem em áreas rurais.
Segundo o memorando de
entendimento assinado pelas duas organizações, por um período de três anos, a
união de forças promoverá sistemas
alimentares e agrícolas mais inclusivos localmente, nacionalmente e
internacionalmente.
As iniciativas
destacarão o valor dos alimentos e dos cultivos locais esquecidos, além de
abordar o acesso ao mercado para os pequenos produtores, melhorando a
conservação e uso da biodiversidade, a redução de perdas e desperdícios
alimentos e a melhoria do bem-estar animal. Ao assinar o documento, o
diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, disse que a “Slow
Food e a FAO compartilham a mesma visão de um mundo sustentável e sem fome,
salvaguardando a biodiversidade para as gerações futuras”. Segundo Graziano, o
acordo é mais um passo em direção a esse objetivo.
CANAL IBASE: A FAO divulgou em meados de maio um
relatório afirmando que insetos podem ser um fonte de alimentação para
populações que passam fome. O que o senhor achou desta afirmação, replicada por
jornais e outras mídias no mundo inteiro?
FRANCISCO MENEZES: Todos os pesquisadores da área ficaram indignados com este estudo. Acho que temos que ter cuidado ao tornar pública esta indignação, porque é preciso debater qual o principal objetivo deles com isso. Mas, de qualquer forma, foi uma infelicidade. As pessoas têm que ter acesso à alimentação e ponto. Pensar em alimentá-las com restos é completamente descabido. Há populações que já comem insetos, mas é outra história, faz parte da cultura delas. Introduzir esse consumo é levar o olhar para uma perspectiva errada. Alimento há, o que falta é acesso.
CANAL IBASE: De fato, o alimento só pode ser acessado atualmente por meio da compra ou do plantio. Quando não há dinheiro ou terra, a pessoa está excluída desse sistema, certo?
MENEZES: Exato. As corporações hoje tomam conta da maior parte dos alimentos produzidos no mundo e elas lidam com a comida como uma mercadoria qualquer. Embora o alimento tenha sido reconhecido como um direito básico dos brasileiros em 2010 (quando foi incluído na constituição do país), na prática pouca coisa mudou. Mas é preciso entender o sistema. Se as empresas do setor trabalham com a alimentação como mercadoria, é porque há permissão do estado para isso. O poder público permite que as corporações, nacionais e internacionais, lucrem com um direito tão fundamental à vida de qualquer pessoa.
CANAL IBASE: Por isso o senhor afirma que a fome é uma questão política
MENEZES: Sim, certamente ela é. Isso não é novidade, mas nunca foi assumido de verdade. Josué de Castro (médico e geógrafo, autor do livro “Geografia da Fome”) já dizia que deixar as pessoas morrerem de fome é uma escolha. Ele estava completamente certo. É um problema ligado à história da humanidade. A segurança alimentar, por exemplo, é um termo herdado dos militares, que foi transformado e usado pelo movimento social. Na guerra, cortar a alimentação é uma das maiores armas que se pode ter. Pode parecer dramático, mas, se você for pensar com cuidado, as corporações também têm nas mãos todos aqueles que não produzem seu próprio alimento. O preço do alimento mexe com a estrutura de uma sociedade.
CANAL IBASE: Há situações de fome extrema no Brasil hoje que podem ser exemplificadas como uma escolha política?
MENEZES: Sim. Os indígenas são exemplo disso. A não demarcação de terras indígenas é um fator que leva à morte. Não olhar para isso é uma escolha do poder público, porque, embora esse fenômeno seja pouco falado, milhares pessoas, especialmente crianças, morrem de inanição na beira de estradas. Isso ocorre por falta de terra, pois etnias foram expulsas de seus territórios. O caso dos Guarani-Kaiowa (que veio à tona ano passado após a divulgação de uma carta anunciando um suicídio coletivo) é um exemplo disso. A Justiça leva seu tempo, mas enquanto isso não se define as pessoas morrem.
CANAL IBASE: Além da inclusão das pessoas no sistema econômico, com geração de renda como possibilidade para comprar o próprio alimento, o senhor acha que a agricultura familiar é uma saída?
MENEZES: A agricultura familiar é uma das soluções. A segurança alimentar só será atingida com uma série de políticas conjuntas. É preciso reconhecer que o governo atual, desde o início do governo Lula, na verdade, avançou bastante nesse sentido. Hoje, 30% da alimentação escolar tem que ser comprada de pequenos produtores, o que representa um grande mercado que alimenta 48 milhões de crianças por dia. Mas há muito a se fazer. A agricultura familiar continua em risco.
CANAL IBASE: Por quê?
MENEZES: Atualmente, a agricultura familiar ainda é responsável pela maior parte dos alimentos de consumo das famílias. A estimativa é que ela represente 70% da alimentação das famílias brasileiras. Mas o agronegócio ameaça a agricultura familiar. Como as pessoas buscam uma forma de alimentação cada vez mais rápida, mais prática, as compras são feitas em grandes mercados, e muitas famílias buscam grandes marcas do setor alimentício. Não se pode dizer que isso é saudável, mas é o que ocorre. As pessoas buscam enlatados, comidas congeladas e em saquinhos. As grandes empresas estão entrando na casa de cada vez mais gente. O que pouco se discute é a queda na qualidade dessa alimentação.
CANAL IBASE: O encontro do Fórum de Segurança Alimentar vai tratar esta questão?
MENEZES: Essa é uma das principais questões. É preciso ampliar o acesso ao alimento, isso é um ponto-chave. Mas não se pode dizer que qualquer alimento tem o mesmo teor nutricional. Aí mora a questão, a qualidade da alimentação. É preciso não só comer, mas comer bem.
FRANCISCO MENEZES: Todos os pesquisadores da área ficaram indignados com este estudo. Acho que temos que ter cuidado ao tornar pública esta indignação, porque é preciso debater qual o principal objetivo deles com isso. Mas, de qualquer forma, foi uma infelicidade. As pessoas têm que ter acesso à alimentação e ponto. Pensar em alimentá-las com restos é completamente descabido. Há populações que já comem insetos, mas é outra história, faz parte da cultura delas. Introduzir esse consumo é levar o olhar para uma perspectiva errada. Alimento há, o que falta é acesso.
CANAL IBASE: De fato, o alimento só pode ser acessado atualmente por meio da compra ou do plantio. Quando não há dinheiro ou terra, a pessoa está excluída desse sistema, certo?
MENEZES: Exato. As corporações hoje tomam conta da maior parte dos alimentos produzidos no mundo e elas lidam com a comida como uma mercadoria qualquer. Embora o alimento tenha sido reconhecido como um direito básico dos brasileiros em 2010 (quando foi incluído na constituição do país), na prática pouca coisa mudou. Mas é preciso entender o sistema. Se as empresas do setor trabalham com a alimentação como mercadoria, é porque há permissão do estado para isso. O poder público permite que as corporações, nacionais e internacionais, lucrem com um direito tão fundamental à vida de qualquer pessoa.
CANAL IBASE: Por isso o senhor afirma que a fome é uma questão política
MENEZES: Sim, certamente ela é. Isso não é novidade, mas nunca foi assumido de verdade. Josué de Castro (médico e geógrafo, autor do livro “Geografia da Fome”) já dizia que deixar as pessoas morrerem de fome é uma escolha. Ele estava completamente certo. É um problema ligado à história da humanidade. A segurança alimentar, por exemplo, é um termo herdado dos militares, que foi transformado e usado pelo movimento social. Na guerra, cortar a alimentação é uma das maiores armas que se pode ter. Pode parecer dramático, mas, se você for pensar com cuidado, as corporações também têm nas mãos todos aqueles que não produzem seu próprio alimento. O preço do alimento mexe com a estrutura de uma sociedade.
CANAL IBASE: Há situações de fome extrema no Brasil hoje que podem ser exemplificadas como uma escolha política?
MENEZES: Sim. Os indígenas são exemplo disso. A não demarcação de terras indígenas é um fator que leva à morte. Não olhar para isso é uma escolha do poder público, porque, embora esse fenômeno seja pouco falado, milhares pessoas, especialmente crianças, morrem de inanição na beira de estradas. Isso ocorre por falta de terra, pois etnias foram expulsas de seus territórios. O caso dos Guarani-Kaiowa (que veio à tona ano passado após a divulgação de uma carta anunciando um suicídio coletivo) é um exemplo disso. A Justiça leva seu tempo, mas enquanto isso não se define as pessoas morrem.
CANAL IBASE: Além da inclusão das pessoas no sistema econômico, com geração de renda como possibilidade para comprar o próprio alimento, o senhor acha que a agricultura familiar é uma saída?
MENEZES: A agricultura familiar é uma das soluções. A segurança alimentar só será atingida com uma série de políticas conjuntas. É preciso reconhecer que o governo atual, desde o início do governo Lula, na verdade, avançou bastante nesse sentido. Hoje, 30% da alimentação escolar tem que ser comprada de pequenos produtores, o que representa um grande mercado que alimenta 48 milhões de crianças por dia. Mas há muito a se fazer. A agricultura familiar continua em risco.
CANAL IBASE: Por quê?
MENEZES: Atualmente, a agricultura familiar ainda é responsável pela maior parte dos alimentos de consumo das famílias. A estimativa é que ela represente 70% da alimentação das famílias brasileiras. Mas o agronegócio ameaça a agricultura familiar. Como as pessoas buscam uma forma de alimentação cada vez mais rápida, mais prática, as compras são feitas em grandes mercados, e muitas famílias buscam grandes marcas do setor alimentício. Não se pode dizer que isso é saudável, mas é o que ocorre. As pessoas buscam enlatados, comidas congeladas e em saquinhos. As grandes empresas estão entrando na casa de cada vez mais gente. O que pouco se discute é a queda na qualidade dessa alimentação.
CANAL IBASE: O encontro do Fórum de Segurança Alimentar vai tratar esta questão?
MENEZES: Essa é uma das principais questões. É preciso ampliar o acesso ao alimento, isso é um ponto-chave. Mas não se pode dizer que qualquer alimento tem o mesmo teor nutricional. Aí mora a questão, a qualidade da alimentação. É preciso não só comer, mas comer bem.
Como começou sua luta contra a
Monsanto?
Minha
esposa e eu éramos produtores de sementes de canola (cultivada para produzir
forragem, óleo vegetal para o consumo humano e biodiesel). Pesquisamos este
cultivo durante mais de 50 anos. Em 1998, dois anos depois que introduziram os
transgênicos no Canadá, a empresa Monsanto entrou
com um processo contra nós. Nos processou por violação de patente, porque diziam
que a nossa canola era fruto de suas sementes transgênicas. Foi uma surpresa
para nós porque nunca compramos sementes geneticamente modificadas nem sabíamos
da existência da Monsanto.
O que tornou famoso o nosso caso em todo o mundo foi o fato de mostrar que podia
acontecer a qualquer agricultor caso seu campo fosse contaminado com as sementes
transgênicas. Nesse momento, o juiz decretou que não importava como havia
ocorrido a contaminação com as transgênicas: se por polinização cruzada,
polinização por abelhas, por sementes que entraram levadas pelo vento ou pelo
próprio transporte de outros agricultores. Se isso acontece, então já não se é
mais dono de suas sementes nem de suas plantas, pela lei de patentes. Também
nesse momento foi decretado que não poderíamos usar as nossas sementes de novo
por estarem contaminadas e que os nossos lucros por esse cultivo deviam ir para
a Monsanto.
Outra questão que o juiz decretou foi que o nível de contaminação não era
importante: dá no mesmo se houve 1% ou 90% do campo contaminado, de qualquer
forma já não se é mais o dono das suas plantas. A base da nossa luta foi pelos
direitos dos agricultores, para que cada um tenha direito a plantar suas
sementes ano após ano.
O que fizeram diante do processo movido pela
Monsanto?
O que mais
nos doeu é que todo o nosso trabalho de 50 anos com a semente de canola agora
pertencia completamente à Monsanto pela
lei das patentes. Por isso decidimos continuar brigando, e recorremos à Corte
de Apelação. Esta Corte federal
manteve quase a mesma posição, inclusive a Monsanto tratou
de nos prender de outras maneiras. Demandaram-nos novamente por um milhão de
dólares. Trataram de nos destruir financeira e mentalmente. Vigiavam-nos quando
estávamos trabalhando no campo, vinham à saída da garagem da nossa casa, a
observar o que a minha esposa fazia, ela recebia telefonemas com ameaças e
também acontecia o mesmo aos nossos vizinhos. E ainda hoje vivemos com medo.
Então decididos ir à Suprema
Corte. A Suprema
Corte disse que não tínhamos que pagar nada à Monsanto,
mas que ela teria que pagar os nossos custos legais. A Monsanto aceitou
que nós não havíamos comprado sementes deles, no entanto, tínhamos que pagar a
eles a licença pelas sementes. Se nós tivéssemos que pagar à Monsanto tudo
o que eles queriam, teríamos que pagar com a nossa casa, a nossa terra e todos
os equipamentos. Assim que foi uma vitória para nós ouvir a Corte sentenciar
que nós não precisávamos pagar nada à Monsanto.
Mas de todas as formas, é muito difícil para um agricultor lutar na Corte contra
uma multinacional. Foi a Monsanto que
nos processou e, no entanto, tivemos que pagar os custos legais deste processo.
Isso não foi justo para nós, porque a Monsanto deveria
ter pagado também os nossos custos.
Quanto tiveram que pagar e como enfrentaram esses
gastos?
Os gastos
foram um pouco mais de 500.000 dólares. O pagamos com grande parte do nosso
fundo de aposentadoria, hipotecas sobre nossas terras e também recebemos doações
de muitas pessoas de todo o mundo que estão preocupadas com o tema das patentes
de sementes e, sobretudo, o que diz respeito à nossa
alimentação.
Como a sua lavoura foi contaminada com as sementes
transgênicas?
Porque meus
vizinhos estavam utilizando sementes da Monsanto e ao soprar o vento as trazia
para o meu campo e o contaminavam. Eu nunca utilizei as sementes da Monsanto nem
o Roundup (herbicida
da Monsanto)
na minha lavoura. Por isso apresentei uma contra demanda baseada na contaminação
ambiental, destruição de sementes e calúnia. Desde esse momento a Monsanto nos
espiou e tratou como criminosos. Detetives da Monsanto se
instalaram perto do campo e controlavam cada passo que dávamos. A primeira coisa
que dissemos à Corte é
que um agricultor tem que ter o direito de utilizar suas sementes ano após ano.
Para minha esposa e para mim, o mais importante é que ninguém, nenhum indivíduo
nem uma corporação têm o direito de patentear formas superiores de vida, seja
uma ave, uma abelha ou uma planta.
O que aconteceu depois deste episódio da demanda da
Monsanto?
Nós
pensamos nesse momento que estava tudo terminado com a Monsanto.
Decidimos mudar de cultivo e fazer pesquisa com mostarda, mas um tempo depois
descobrimos que havia plantas de canola no campo em que estávamos pesquisando,
que era de 50 acres. Nós comunicamos a Monsanto que
acreditávamos que havia canola transgênica em nosso campo de mostarda. Então
a Monsanto veio
ao nosso campo e fez algumas pesquisas. Depois nos notificaram que havia canola
de sementes da Monsanto em
nosso campo de mostarda. Perguntaram-nos o que queríamos que fosse feito.
Pedimos que toda essa canola fosse retirada manualmente. A Monsanto concordou.
Dois dias antes do dia combinado para a retirada das plantas, enviaram-nos uma
carta para que a assinássemos. E nessa carta a Monsanto estabelecia
que minha esposa e eu estávamos proibidos de falar sobre a Monsanto com
qualquer pessoa. Ou seja, que minha liberdade de expressão estava anulada, e se
tivesse aceitado não poderia estar aqui falando com você.
O que responderam?
Dissemos a
eles que muitas pessoas morreram em nosso país lutando pela liberdade de
expressão e que nós não pensávamos em entregá-la a uma corporação. Assim que
respondemos à Monsanto que,
com a ajuda de nossos vizinhos, iríamos retirar essas plantas. Com a ajuda dos
nossos vizinhos removemos todas as plantas contaminadas e lhes pagamos 600
dólares. A verdade é que não foi muito dinheiro por três dias de trabalho. Mas
mandamos a conta para a Monsanto e
a Monsanto se
recusou a pagá-la. Então mandamos a Monsanto à Corte,
desta maneira, tivemos uma multinacional milionária na Corte por
600 dólares. Pode-se imaginar a vergonha da Monsanto,
uma corporação internacional, ser chamada à corte por 600 dólares. Então,
finalmente, tiveram que pagar os 600 dólares mais os custos legais e chegamos a
um acordo de que não haveria mordaça legal. O importante não foi o dinheiro que
tiveram que pagar, obviamente, mas importa a consequência legal. Porque se agora
a lavoura de qualquer agricultora é contaminada, a empresa tem que pagar por
essa contaminação. Esta foi uma vitória, não somente para nós, mas para os
agricultores de todo o mundo, porque abre um precedente.
Você costuma dizer que no Canadá há vários
cultivos, entre eles a canola, que já são completamente transgênicos. Por que os
agricultores canadenses optaram por este tipo de sementes
patenteadas?
Em 1996
foram introduzidas quatro sementes transgênicas no Canadá: o algodão, o milho, a
canola e a soja. E os agricultores se entusiasmaram porque a Monsanto dizia
no começo que com as sementes deles iríamos ter uma produção maior, lucros
maiores, seriam mais nutrientes, e teríamos que utilizar menos químicos para
obtê-lo. Mas aconteceu todo o contrário; estamos utilizando mais químicos que
antes, e fazem tanto mal à saúde humana como ao meio ambiente. Também repetiram
uma série de lugares comuns como esse que através destas sementes iríamos
alimentar um mundo cheio de fome. Mas creio que se há algo que vai nos levar a
ter mais fome no mundo, isso são os transgênicos. Nós, no Canadá, tivemos
transgênicos durante 16 anos e cremos que o prejuízo já está feito. Agora é
preciso fazer o que é possível para não permitir que entrem mais transgênicos em
nossos países.
O que aconteceu com as plantações de canola
transgênica que se espalharam pelo Canadá?
Imediatamente depois que se começou a utilizar
estas sementes os lucros começaram a baixar. Mas o pior foi o aumento massivo no
uso dos químicos, porque depois de alguns poucos anos as ervas daninhas se
tornaram resistentes, causando enormes problemas às plantações de canola. Para
eliminar esta super erva daninha, requer-se dos tóxicos mais fortes que já se
teve notícia. A Monsanto produziu
um tóxico, o mais tóxico que se conhece na face da Terra. Há outro químico que é
o 2,4-D, que usam para matar esta super erva daninha, e este novo tóxico contém
70% do agente laranja, aquele que
foi usado na guerra do Vietnã, em decorrência do qual milhares de pessoas
morreram de câncer. Estes são os químicos poderosos que estamos usando hoje no
Canadá, tóxicos massivos. Outra coisa que trataram de trazer ao Canadá é o gene terminator. O gene terminator é posto em
um gene, a semente se converte em uma planta, mas a planta produz uma semente
que é estéril, razão pela qual não pode ser usada para um novo plantio, e isso
faz com que se tenha que comprar novamente as sementes da
companhia.
Que implicações tem o uso de sementes
transgênicas?
Temos uma
questão econômica, de saúde, devido ao aumento do uso de químicos e ao veneno
espalhado sobre os transgênicos, e um prejuízo para o meio ambiente devido ao
uso dos químicos. Os transgênicos nunca foram concebidos para aumentar os
lucros. O padrão dos genes introduzidos nas sementes pela Monsanto é
para manter o controle do fornecimento de sementes e de alimentos em todo o
mundo. Também se toma o controle do direito que o agricultor tem de usar suas
sementes, perde sua capacidade de escolha e fica refém da compra das sementes
todos os anos e a pagar um custo alto, além do fato de que tem que comprar mais
químicos.
Como são as sementes que você utiliza hoje, depois de todo este processo?
Como são as sementes que você utiliza hoje, depois de todo este processo?
Mudamos as
sementes, não trabalhamos mais com a canola, estamos trabalhando com trigo,
aveia e feijão. No Canadá a soja e a canola são totalmente transgênicas, não se
pode ter uma fazenda orgânica destes cultivos. A Monsanto é
hoje a companhia que administra totalmente o mercado das sementes para estes
cultivos. Uma vez introduzidos os transgênicos, não existe a coexistência; o
gene transgênico é um gene dominante, porque não se pode controlar o vento nem
impedir que o pólen se desloque. Então, uma vez que as sementes transgênicas são
introduzidas, não há possibilidade de que um agricultor continue com um
desenvolvimento próprio de sementes.
Como vê o futuro da
agricultura?
Os
transgênicos estão destruindo o tecido social do país, nunca vi isso antes, os
agricultores brigam entre si. Antes nos ajudávamos uns aos outros; agora isto
está desaparecendo porque há desconfiança. Instalam o medo processando os
agricultores. Esta nova tecnologia é ciência perversa e não é ciência
comprovada. As corporações querem o controle total sobre as sementes, o que lhes
dará o controle total sobre o abastecimento de alimentos. É disto que tratam os
transgênicos e não para ter mais alimentos para acabar com a fome no mundo. Se
os agricultores perdem o direito de cultivar sua própria semente, convertem-se
em serventes da terra, regressando à época do sistema feudal. De certa forma, os
agricultores já são serventes da terra, porque têm que comprar as sementes de
determinada companhia, têm que comprar a licença do alimento, têm que comprar os
químicos da mesma companhia, têm que pagar um direito para cultivar em sua
própria terra, assim que penso que já somos serventes em nossa própria terra por
uma corporação multinacional como a Monsanto.
Caso a propagação de organismos geneticamente modificados continuar, o controle
total do fornecimento de sementes e de alimentos do mundo estará nas mãos de
corporações como a Monsanto,
e isto acarretará problemas para a saúde, questões ambientais e perda de
biodiversidade. Com os organismos geneticamente modificados já não haverá
agricultura, mas agronegócio.
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